sábado, 3 de julho de 2010

Chuva


Hoje a chuva resolveu lavar a cidade e as nossas almas. Desceu sem piedade arrastando desde a sujeira até a alegria de muitos que, cabisbaixos, encolhem-se e atravessam ruas e avenidas para seus compromissos inadiáveis. Para uns, é só chateação, outros, transtornos, haja vista a impaciência no trânsito, o mau humor, a intolerância no trato com o outro.
Mesmo com todos os transtornos, nunca encarei chuva como um problema. Ao contrário, sempre me deixa feliz, evocando lembranças especiais, constitutivas de minha personalidade, meu jeito de ser e ver o mundo.
O barulho da chuva na vidraça me faz lembrar os transgressores tempos de menina correndo livre, de roupa colada ao corpo, rindo feliz, sem importar-me com os gritos zangados de minha mãe “sai da chuva” ou as ameaças do “vai ficar doente”, e tantas outras coisas ditas por minha mãe.
Através desses momentos é que me dei conta de que a meninice permaneceria na alma, embora o corpo estivesse mudando. Tomei consciência disso quando percebi que os olhares direcionados aos meus seios, as minhas pernas e quadris já não eram os mesmos. Isso me assustou e ao mesmo tempo envaideceu.
Havia um quê de surpresa ao constatar a transformação. Eu, menina comum, sem atrativos excepcionais, ao me descobrir mulher, descobri também que possuía um inquietante poder. A curiosidade e a desenvoltura com as palavras tornaram-se marcas do meu jeito de ser, assim como o ar petulante, sequioso por compreender tudo o que me cercava.A chuva traz junto uma enxurrada de boas lembranças daquela menina descobrindo o mundo, desabrochando para a vida. Tempos de “ inverno”, mas de "primavera" na alma.
A chuva também evoca a lembrança de quando me apaixonei, pela primeira vez, ela me lembra de todos os meus amores. Me lembra de todas as vezes que sofri, e todas as aventuras que vivi por causa de um amor qualquer, e que hoje não faz mas diferença nenhuma na minha vida.
Aprendi a meditar com a chuva. Acalmo-me. Respiro, procurando sentir seu cheiro. Adoro a música da ventania na folhagem. Amo aquele cheiro de terra molhada. Adoro o barulho no telhado e, sempre que posso, escolho a chuva como companheira para ouvir música, para ler, para dormir. Na minha vida ela sempre será um momento de rara beleza, inspiração e alegria.
Minha relação com a chuva nunca vai mudar. A chuva me renova e inspira. A chuva faz com que eu volte a ser aquela menininha que não ligava pro dia de amanhã !

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